Paradiplomacia: Oportunidades e Desafios

Texto originalmente publicado no blog CetemIdeias do Centro de Estudos Temáticos em Administração Pública (Cetem)

Por que falar de Relações Internacionais num blog sobre Gestão Pública?

No ano de 2014 o estudo das Relações Internacionais (RI) no Brasil completa 40 anos. E se há 40 anos os teóricos em sua grande maioria admitiam que apenas os governos centrais poderiam ser considerados atores globais, hoje enxergamos a consolidação de um fenômeno chamado de “paradiplomacia”, ou seja, a atuação dos estados e municípios na esfera internacional fora da estrutura tradicional da diplomacia entre os países.

Paradiplomacia: Oportunidades e desafios

Tomemos o exemplo de São Paulo para enumerar as diversas possibilidades que a paradiplomacia apresenta. Em março de 2013, o Governo de São Paulo firmou um acordo com os Estados Unidos da América instituindo grupo de trabalho que atualmente desenvolve cerca de 25 projetos conjuntos. Nos meses subsequentes, foi negociado e estabelecido acordo similar com o Reino Unido, contemplando a cooperação em educação, comércio e investimento, meio ambiente, administração penitenciária, transparência e combate à corrupção. O estabelecimento de relação formal com um governo subnacional na América Latina foi fato inédito tanto para os Estados Unidos como para o Reino Unido.

No mesmo ano a prefeitura de São Paulo também inovou ao firmar parceria com a ONU (Organização das Nações Unidas) através da assinatura de um memorando de entendimento que buscará a criação e ampliação de instrumentos de atuação conjunta com o objetivo de favorecer o intercâmbio de experiências, práticas e políticas públicas nas diferentes áreas de atuação das Nações Unidas no Brasil. São Paulo também mantém acordos de cooperação bilateral com cidades irmãs, participa de redes de cidades e, através da sua Secretaria Municipal de Relações Internacionais e Federativas, é representada em missões técnicas e eventos internacionais.

A paradiplomacia pode então envolver o estabelecimento de acordos com uma cada vez mais variada gama de atores visando a parceria técnica ou financeira, a participação dos entes subnacionais em redes de cooperação e compartilhamento de boas práticas de gestão, a busca por investimentos internacionais, e até mesmo a representação dos governos estaduais e municipais, a nível global, em foros tradicionalmente ocupados apenas pela chancelaria dos governos.

paradiplomacia-estados

Em 2012, o IBGE ao realizar sua “Pesquisa de Informações Básicas Municipais”, levantamento que traça o perfil das prefeituras, constatou que apenas 113 dos 5.565 municípios pesquisados mantém estrutura específica para cooperação internacional. Cabendo aqui a ressalva que a pesquisa admitiu como “estrutura específica” desde secretarias com orçamento próprio até servidores responsáveis pela área, que acumulam “o tema com outras atividades”, caracterização que dificulta a visualização de um mapeamento fidedigno da situação — não por conta dos dados disponibilizados, mas em razão da falta de institucionalização refletida na pesquisa.

E por que isso ocorre? Preocupação com o tamanho da máquina pública, não entendimento do papel das Assessorias de Relações Internacionais e descontinuidade das gestões são alguns dos motivos. Nos últimos anos, constatamos (e lamentamos) a extinção de importantes Secretarias de Relações Internacionais de municípios de grande porte e comprovada “vocação” para atuarem como “global players”. Esses retrocessos simbolizam um dos desafios que os gestores locais devem encarar ao considerarem as vantagens e desvantagens da paradiplomacia: o desafio de pensar na sua atuação não como experimental, reativa ou oportunista (visando apenas a recompensa política imediata), e valorizar o planejamento, o estabelecimento de estratégias e a valorização dos recursos humanos com formação na área de Relações Internacionais.

O Rio Grande do Sul, assim como São Paulo, demonstrou nesse mesmo período de retrocessos, como os entes subnacionais podem desempenhar com capacidade e habilidade suas funções no âmbito externo, aproveitando a abertura existente para alcançar expressão internacional. E o governo brasileiro, em reconhecimento ao trabalho desenvolvimento pelos órgãos de assessoramento internacional dos estados e municípios, buscou se adequar à essa realidade, criando escritórios regionais de representação do Ministério das Relações Exteriores (MRE), e estabelecendo assessorias de assuntos federativos do Itamaraty e da Presidência que têm como objetivo realizar a interlocução entre o governo federal e os governos locais.

Pensar globalmente, agir localmente

A atuação dos entes subnacionais também deve levar em conta a máxima “pensar globalmente, agir localmente”. Para os gestores locais isso significa investir nas vantagens competitivas do seu município ou estado, desenvolvendo ações internas que auxiliem a inserção da economia local nos fluxos globais de investimento – ações estas que não podem mais ficar restritas ao campo fiscal, devendo se estender para as áreas da educação, saúde, segurança pública, desenvolvimento científico e infraestrutura.

As oportunidades estão postas e cabe aos governos locais assumirem, como estrutura mais próxima do cidadão, o papel de vincular o “local” com o “global”, ao passo que a linha que separa assuntos internacionais e domésticos tem se tornado cada vez mais tênue e o atual momento de projeção internacional que o Brasil vive deve ser aproveitado para estimular a parceria e a cooperação em prol do desenvolvimento que queremos.

Deixe um comentário